domingo, 1 de junho de 2014

A BÍBLIA E A SÉTIMA ARTE: AS NARRATIVAS BÍBLICAS REPRESENTADAS NAS TELAS EM MAIS DE UM SÉCULO DE CINEMA. [PARTE 1/3: NA ÉPOCA NO CINEMA MUDO]

INTRODUÇÃO
Desde os primeiros anos de existência da indústria cinematográfica, no inicio do século XX, as narrativas bíblicas tem inspirado a elaboração de muitos filmes. Alguns comprometidos em manter uma lealdade para com as narrativas bíblicas, outros enfeitando voluntariamente (muitas vezes com anacronismos extrapolados) afim de, antes de tudo, manter uma aparência mais atrativa ao telespectador em geral.  Contemplaremos a multiformidade presente dentro do gênero épico bíblico, percebendo a existência de vários gêneros dentro do mesmo; estabelecemos também que o campo do filme religioso se forma, se define e se redefine constantemente a partir das relações entre o campo do fílmico (produtoras, cineastas, indústria etc.) e o campo do religioso (igrejas, instituições religiosas, seus representantes e fiéis).
Muitos pesquisadores da área cinematográfica, em sua maioria norte-americanos, reconhecem a existência do gênero Épico Bíblico; entre estes  podemos destacar Jon Solomon, Brian Godawa, William Telford, Melanie Right, B. Babington, P.Evans, Pamela Grace, Barnes Tatum e Luiz Vadico.  Todavia, a forma como estes estudiosos abordam a temática varia em perspectivas bem diferentes.

A GÊNESE DO GÊNERO

A Europa do inicio do século XX, é o onde tudo começa. Podemos afirmar que os principais pioneiros do gênero épico bíblico foram os franceses Ferdinand Louis Zecca(1864- 1947) e Charles Pathé (1983-1957).  Ferdinand Zecca trabalhava como animador de café concerto, no Teatro Ambigu antes de ser contratado por Charles Pathé durante a Exposição Universal de  1900, para trabalhar na tão recente industria cinematográfica. Zecca rapidamente se tornou no homem de confiança de Pathé ao demonstrar uma grande capacidade comercial.
Os temas e assuntos prediletos dessa produção são: Jesus Cristo, Os apóstolos, Moisés, Sansão e Dalila, Davi, Salomão e personagens referentes ao livro de Gênesis (principalmente Adão e Eva, Noé, Abraão e José do Egito). Ao perceber estes assuntos como os mais repetidos em produções deste tipo, chama a atenção um fato marcante: Quase todos estes temas estão entre os filmes produzidos na primeira década do século XX.  Antes mesmo de o cinema ter se firmado em sua vertente narrativa, as linhas de força da produção religiosa já estavam sendo postas, como podemos observar abaixo e, um levantamento de Miller & Hulber.
Entre os anos de 1900 e 1910, tem-se os seguintes filmes: The Passion Play (Luigi Topi, 1900); Soldier of the Cross (Joseph Perry e Herbert Booth, Australia, 1900); Sanson and Delilah (Pathé, 1903); The Wandering Jew (Star, de Méliès, 1904); The Life and Passion of Jesus Christ (Pathé, 1905); The Life of Christ (Alice Guy, Gaumont, 1906); Moses (Pathé, 1907); Jerusalem in the Times of Christ (Kalem, 1908); Salome (Vitagraph, 1908); David and Goliath (Kalem, 1908); The Star of Bethlehem (Edison, 1908); The Kiss of Judas (Film d’Art, Fra, 1909); Saul and David (Vitagraph, 1909); The Judgment of Solomon (Vitagraph, 1909); The Life of Moses (Vitagraph, 1909-1910). [Miller & Hulber,2003]
A França se lançaria como o principal berço deste gênero cinematográfico, quando em 1902 nasce o primeiro filme bíblico de grande sucesso (tanto em bilheteria, quanto financeiro): “A vida e a paixão de Jesus Cristo”. Com aproximadamente 30 minutos de duração e com tudo o que a produtora francesa Pathé tinha de melhor em termos de elenco, cenário e equipamentos, os parceiros conseguiram um grande sucesso de bilheteria. Para o montagem do filme, foi feito uso de um sofisticado sistema de colorização na película prezando assim pela qualidade das imagens. No elenco podemos destacar a atuação de Madame Moreau e Monsieur Moreau. O filme teve uma edição expandida em 1905 com aproximadamente 45 minutos. Algo inovador para uma época onde os filmes dificilmente duravam mais do que 15 minutos.

Em 1907, ainda na França, ousadamente é produzido “Moses and the Exodus from Egypt (Moisés e o Êxodo do Egito)” , com duração de menos de dez minutos.  Em 1912, Hollywood inova ao filmar “From the Manger to the Cross” (Da manjedoura a Cruz) em locações reais no Egito e na Palestina. Este, dirigido por Sidney Olcott, é pontuado por passagens bíblicas, registrado nas cartelas originais do filme, sempre mostrando as referencias. O filme tem duração de mais de uma hora e contou com um investimento altíssimo na época. Dez anos depois, o cineasta húngaro Alexander Corda, desenvolve um projeto independente, filmando assim Samson und Dalila, obra que constituía-se em um marco do cinema húngaro. O filme foi elaborado com a participação de renomados artistas de óperas, como Julia Sorel e Paul Lukas. Apesar de toda elegância artística da obra, esta recebeu muitas críticas por supostamente não ser muito coerente com a narrativa bíblica.
Em 1923, Cecil B. DeMille, o principal responsável pela popularização do gênero épico bíblico, concretiza um sonho muito ousado ao escrever, produzir e dirigir a primeira versão cinematográfica de Os Dez Mandamentos. A primeira metade desse filme mudo conta a história de Moisés e termina com os acontecimentos referentes ao recebimento dos dez mandamentos. O restante do filme é uma história a respeito de dois irmãos que vivem no século XX. Um irmão honra os dez mandamentos, enquanto o outro os ignora e sofre com consequencias desastrosas.  Os cenários para filmagem  das cenas que se passam  no Egito foram beseados em descobertas arqueológicas recentes, incluindo a da tumba do faraó Tuntankamon.  DeMile contou com um grande elenco  e fez um uso brilhante de efeitos especiais. Com o intuito de despertar mais o publico para assistir o filme, ele incluiu cenas de orgias  mostrando corpos seminus, algo que acabou relativamente aceitável naquela época por causa do contexto em que estas foram inseridas. O filme trouxe legados em muitos aspectos e acabou influenciando fortemente muitos outros épicos bíblicos que ainda viriam.
 Encorajado pelo sucesso de Os Dez Mandamentos, DeMille lançou em 1927 “O Rei dos Reis”, um filme sobre a vida de Jesus. Sem efeitos especiais eletrônicos na época, o filme brilhantemente representa os milagres de Jesus usando truques manuais de luzes e sombras.  Tal obra viria a ser tão duradoura que, diferente de muitos outros filmes, manteve-se um sucesso razoável por décadas, levando  DeMille a não optar por sua refilmagem. Este filme ganhou uma versão sonorizada nos anos 30.

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