sexta-feira, 17 de abril de 2020

COMO SE FAZIA PARA ILUMINAR AS NOITES QUANDO NÃO HAVIA ENERGIA ELÉTRICA?








Séculos antes da invenção da primeira lâmpada, antes mesmo da chegada dos portugueses, os povos indígenas que habitavam o território que hoje chamamos de Brasil, utilizavam a luz do fogo e a claridade da Lua como forma de iluminar suas noites. Além das fogueiras, não existe vestígios de outra forma de iluminação artificial no Brasil pré-cabralino. O fogo era importante não apenas para proporcionar iluminação, mas também era um importante recurso para espantar animais selvagens, cozinhar alimentos e fornecer calor nas noites mais frias. O fogo também era sagrado para muitos grupos, sendo utilizado em cerimonias tradicionais e práticas religiosas.


O missionário e escritor francês Jean de Léry (1534-1611) que junto com o almirante Villegagnon participou da invasão do Rio de Janeiro em 1557, deixou-nos uma vívida narrativa sobre o emprego do fogo pelos índios brasileiros:

São os selvagens muito amigos do fogo e não pousam em nenhum lugar sem acendê-lo, principalmente à noite, pois temem então ser surpreendidos por Ayugnan, o espírito maligno, que, como já disse, amiúde os espanca e atormenta. (LÉRY, 1980, p. 303)

Com os colonizadores europeus chegam ao Brasil algumas formas de iluminação que já há muito tempo eram utilizadas no velho mundo, mas que se constituíam uma novidade para os nativos da América, como foi o caso das lamparinas, candeeiros e as velas. Tais recursos funcionam à base de ceras e óleos vegetais ou animal.  O óleo de oliva era um dos mais utilizados, mas, como era fabricado somente na Europa, tinha altos custos, tornando sua utilização exclusiva da elite colonial. De acordo com Ana Aver (2013), com o alto custo do óleo de oliva, rapidamente ele foi substituído por outros óleos fabricados no Brasil, como o óleo de coco e principalmente o de mamona (conhecido também como carrapateira).

 Posteriormente, surgiu óleos derivados de gordura animal (principalmente de baleias) e foram fabricadas velas feitas de gorduras e de cera de abelha (produtos que em razão do alto preço, também não eram utilizados nas residências da população pobre).

Já no Brasil Oitocentista, é interessante destacar que nesta época popularizam-se os combustíveis fósseis. Estes combustíveis – que mais tarde se tornariam fundamentais para muitos  aspectos da vida nos séculos XX e XXI – tiveram seu primeiro uso comercial girando em torno da luz.  As novas lâmpadas á base destes combustíveis (cujo principal era o querosene), possuíam claridade muito maior do que qualquer vela jamais fora antes e tinham um valor muito mais acessível.

Acerca destas, cada vez mais populares lâmpadas, o historiador norte-americano Steven Johnsson (2015), autor de importantes pesquisas sobre o impacto histórico da tecnologia no cotidiano, afirma que sua popularização impactou a civilização nas mais variadas áreas, inclusive no que diz respeito à informação e a imprensa: “seu brilho mais intenso incentivou a publicação de revistas e jornais da segunda metade do século XIX, já que as horas escuras depois do trabalho tornaram-se cada vez mais compatíveis com a leitura”.

 Coincidentemente, nesse período de crescente iluminação, surgiram vários jornais de influência no Brasil oitocentista, como o carioca Diário do Rio de Janeiro (1808); o pernambucano Diário de Pernambuco (1825); e os paraibanos Jornal da Parahyba (1885) e A União (1891).

 É interessante observar, que por outro lado, tais lâmpadas também provocaram explosões literais: milhares de pessoas morriam a cada ano por incêndios originados nas luzes de leitura.  Apesar dos avanços, a luz artificial ainda era algo muito limitado, e hábitos como ler depois do anoitecer ainda era sinônimo de luxo.

Outro historiador norte-americano, Roger Ekirch, destaca que até o século XIX, as noites eram tão opressivas que os cientistas agora acreditam que até mesmo nossos antigos padrões de sono diferiam radicalmente comparados aos padrões atuais sob influência da onipresente iluminação noturna. Em 2001, Ekirch publicou um estudo notável, inspirado em centenas de diários e manuais de instrução, argumentando, de forma convincente, que:
“Historicamente os seres humanos dividiram suas longas noites em dois períodos de sono distintos. Quando a noite caía, eles adormeciam para um “primeiro sono”, despertando após quatro horas para fazer um lanche, fazer suas necessidades fisiológicas, ter relações sexuais ou conversar junto ao fogo, antes de voltar para mais quatro horas de “segundo sono”.(Apud, Johnson, 2015, p.113)

Ekirch, em sua obra mais conhecida “At Day’s Close”,  argumenta que os avanços tecnológicos relacionados a iluminação artificial a partir do século XIX interrompeu esse antigo ritmo, abrindo-se toda uma série de atividades modernas que podiam ser realizadas depois do pôr do sol, variando de teatros e restaurantes até o trabalho nas fábricas.  Após anos de investigação Ekirch defende que o processo de um único bloco de oito horas de sono contínuo, que é o mais comum entre os citadinos do século XXI,  foi desenvolvido por costumes do século XIX, em adaptação a uma drástica mudança no ambiente iluminado dos assentamentos humanos.

Referências Bibliográficas:

EKIRCH, Roger. At Day's Close: Night in Times Past. New York: W. W. Norton & Company, 2006.
FURTADO, Peter. 1001 Dias que Abalaram o Mundo. Rio de Janeiro: Sextante, 2009.
JOHNSON, Steven. Como chegamos até aqui: A história das inovações que fizeram a vida moderna possível. São Paulo, Zahar, 2015.

LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo. 1980.

O texto acima é parte da monografia apresentada ao Curso de Licenciatura Plena em História, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba, intitulada  "A CHEGADA DA ENERGIA ELÉTRICA NA CAPITAL PARAIBANA E SEU IMPACTO NO COTIDIANO DA POPULAÇÃO",  de autoria de HELTON DE ASSIS FREITAS, editor deste blog.

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